Por que os tubarões brasileiros testaram positivo para cocaína?
Estudo revela que o uso da droga por pessoas está causando grandes quantidades a vazar para o mar.
Treze tubarões da espécie cação-cabra, capturados ao largo do Rio de Janeiro, testaram positivo para cocaína, conforme relataram os biólogos marinhos que realizaram os testes.
Altas concentrações de cocaína foram encontradas nos músculos e fígados dos tubarões pelos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, com sede no Rio de Janeiro. Benzoylecgonina também foi detectada nos mesmos tubarões. A benzoylecgonina é um dos subprodutos produzidos quando a cocaína é consumida.
O que o estudo encontrou?
Os 13 tubarões eram três machos e dez fêmeas, cinco das quais estavam grávidas. Todos os tubarões foram capturados por barcos de pesca ao largo da costa do estado do Rio de Janeiro de setembro de 2021 a agosto do ano passado.
Amostras foram retiradas dos tubarões e a concentração de cocaína encontrada foi mais de 100 vezes superior às previamente relatadas em qualquer outro animal aquático, segundo o estudo.
O estudo também descobriu que os níveis de cocaína eram três vezes maiores nos músculos do que nos fígados dos tubarões.
Por que os tubarões estão testando positivo para cocaína?
Embora mais pesquisas sejam necessárias, o estudo sugere que isso se deve principalmente ao aumento do uso de cocaína por pessoas.
Um aumento no uso de cocaína na região, aliado a um sistema de drenagem inadequado, causou quantidades maiores de cocaína presentes na água do mar. O estudo afirma: “O consumo global de COC [cocaína] aumentou exponencialmente nas últimas décadas, conforme destacado no Relatório Mundial sobre Drogas das Nações Unidas. Cerca de 22 por cento (4,8 milhões) dos estimados 22 milhões de usuários de COC em todo o mundo residem na América do Sul em 2021, com o Brasil emergindo como o segundo maior mercado consumidor nesta área.”
O estudo acrescentou que análises de esgoto cobrindo 60 milhões de pessoas em 37 países de 2011 a 2017 revelaram consistentemente a presença de cocaína em ambientes aquáticos.
O efeito da cocaína nos tubarões já foi estudado antes?
Em 2023, um documentário chamado Cocaine Sharks seguiu o biólogo marinho Tom Hird e a cientista ambiental Tracy Fanara, que estavam estudando o que acontece quando os tubarões entram em contato com cocaína nas Florida Keys.
As Florida Keys são conhecidas como um ponto de tráfico de drogas. Em julho, segundo autoridades federais, o quinto maior carregamento de drogas ilegais já foi encontrado pela ex-policial e prefeita de Tampa, Jane Castor, em uma pescaria ao largo das Florida Keys. Castor relatou a descoberta à Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos.
De acordo com o agente chefe Walter Slosar, do setor de Miami da Patrulha de Fronteira, os 32kg (70lb) de cocaína tinham um valor estimado de $1,1 milhão de dólares.
No mês passado, um navegante recreativo nas Florida Keys encontrou 30kg (65lb) de cocaína com um valor de mercado de $1 milhão flutuando no mar.
Recreational boater in the Florida Keys discovers 65 lbs. of cocaine floating at sea. The cocaine has an estimated street value of over $1 million & will be seized by the U.S. #BorderPatrol. We appreciate the support from Good Samaritan’s in our community.#floridakeys #drugs pic.twitter.com/g2hQYhLATG
— Samuel Briggs II (@USBPChiefMIP) June 18, 2024
O documentário foi feito após um boato entre os pescadores de que tubarões estavam entrando em contato com fardos de cocaína devido à alta prevalência de traficantes despejando cocaína de aviões ao largo da costa da Flórida. A crença era que isso se devia à cocaína vazando no mar.
Além disso, os traficantes são conhecidos por despejar cargas de drogas ilegais no mar se temem ser capturados pela guarda costeira.
Em outros casos, os traficantes usam um sistema de entrega em que embrulham a cocaína em várias camadas de plástico e outros materiais à prova d'água e a lançam na água para ser recolhida por outro barco. Em fevereiro de 2023, a polícia na Nova Zelândia encontrou 3,2 toneladas de cocaína no valor de $300 milhões flutuando no mar. Em 2019, as autoridades interceptaram um submarino carregando 3 toneladas de cocaína no valor de $110 milhões ao largo da costa da Espanha.
Um dos experimentos conduzidos por Hird e Fanara envolveu despejar fardos falsos de cocaína e cisnes de plástico na água para testar qual os tubarões abordariam primeiro. Embora parecesse que os tubarões atacavam os fardos primeiro, ainda não se sabe por quê.
Também permanece incerto como a cocaína afeta os tubarões fisiologicamente, dizem os especialistas.
“Alguns estudos feitos com cocaína mostram que ela afeta os peixes de maneira muito diferente do que afeta os humanos”, disse a cientista biológica Laura Garcia Barcia, da Universidade Internacional da Flórida, em julho do ano passado em um episódio de When Sharks Attack and Why da National Geographic.
Segundo Barcia, a cocaína em tubarões atua como um anestésico, enquanto nos humanos é um estimulante.
Em um estudo de 2016, pesquisadores de toxicologia do Instituto Federal Suíço de Ciência e Tecnologia Aquática (Eawag) e da Universidade de Zurique descobriram que dar cocaína a peixes-zebra não tinha o mesmo efeito estimulante que em humanos. Usando um método de imagem sofisticado para analisar amostras de tecido, os pesquisadores mostraram que a cocaína se acumulava nos olhos dos peixes-zebra em vez do cérebro, como nos humanos. “Se quisermos ter um melhor conhecimento dos efeitos de tais produtos químicos no ecossistema, precisamos de uma compreensão mais detalhada dos processos de absorção através da água. Eles são bastante diferentes de quando as drogas são inaladas ou injetadas”, disse a toxicologista ambiental Kristin Schirmer, co-autora do estudo.
Outros animais ou peixes foram afetados pela cocaína no mar?
Biólogos da Universidade de Nápoles Federico II realizaram um estudo em 2018 no qual submergiram enguias europeias em água contendo uma pequena quantidade de cocaína semelhante às quantidades encontradas em muitos rios.
As enguias viveram na água por 50 dias e os pesquisadores descobriram que exibiam comportamento hiperativo.
Isso levantou preocupações entre ambientalistas e biólogos de que a presença da droga nos rios poderia representar um grande problema de saúde para algumas espécies de peixes.
Em 2021, outro estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista e da Universidade de São Paulo no Brasil sobre a presença de cocaína e benzoylecgonina na água do mar, sedimentos e mexilhões da Baía de Santos, no Brasil.
Os pesquisadores encontraram “contaminação generalizada por cocaína e seu principal metabólito humano benzoylecgonina na Baía de Santos” e disseram que “os mexilhões foram capazes de acumular” cocaína como resultado.